segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Um pouco de mim



Minha já mãe ficou sabendo da mudança do meu irmão de Londrina para Paranavaí. Achei que a reação dela foi boa, melhor do que esperava.Claro que o pior ainda virá, a despedida, a mudança de fato. Aí sim acho que ela vai realmente sentir a distância.

Mas o que é a vida senão isso mesmo? Surpresas que aparecem no meio do caminho, presentes que recebemos sem esperarmos, ou na verdade até esperamos, mas não acreditamos muito que vamos receber. Mudanças. Lugares novos, pessoas diferentes, sair da nossa zona de conforto e nos confrontarmos com o novo, com novos desafios. Quando achamos que chegamos no fim, novas portas se abrem e começa tudo de novo. Assim é a vida, e graças a Deus por isso!

Depois de ler o blog da Cristiana Guerra e de ler também seu livro (para Francisco) pensei um pouco mais na vida, na minha vida em especial. Quantas coisas aconteceram até aqui. Pra falar a verdade, me inspirei nela para escrever, não com a pretensão de ser tão eficiente em expressar-se através das palavras, mas de deixar registrado um pouco de mim, da minha história que muito já se perdeu pelo caminho até aqui.

Sempre questionei muitas coisas que aconteceram em minha vida. Primeiro de tudo a morte do meu pai. Nunca entendi porque isso aconteceu, não naquele momento. Eu tinha 9 anos de idade, aliás fazia 4 dias que tinha completado essa idade. Ele me deu de presente um radinho com um microfone que gravava tudo que eu cantava. Não me lembro exatamente porque eu queria aquele presente, mas eu o queria e ele me deu. Ainda estava curtindo aquele presente tão esperado, quando a “vida” arrancou meu pai de mim. Não esqueço aquele dia. Era madrugada, meu pai não chegava nunca e na minha casa uma movimentação fora do normal. Ninguém me dizia nada, mas eu sabia que alguma coisa estava diferente. Algumas coisas se apagaram completamente da minha memória, como se uma borracha tivesse sido passada em mim, e eu sinceramente não me lembro como recebi a notícia e nem quem a me deu. Algumas coisas somem e quando me lembro já estou no velório, realizado na Acesf em Londrina. Muitas pessoas, professores do colégio onde estudava, amigos dos meus irmãos, pessoas que eu nem conhecia direito. Depois já estou no cemitério, dando um beijo no rosto gelado do meu pai, que estava deitado naquela caixa sem nenhuma resposta a toda aquela movimentação em volta dele. Fecharam a caixa e desceram-na terra abaixo. Nunca mais veria o meu pai, nem sequer ouviria a sua voz e muito menos receberia seus carinhos e sua proteção outra vez. Até então nunca tinha me defrontado com a morte, a não ser dos meus gatinhos, mas eles sempre eram substituídos por outros. Mas para meu pai não haveria substitutos, eu nem admitiria isso. Era o fim. O fim e o começo. O fim da vida dele aqui conosco. O fim da convivência nossa com ele, o fim de muitos sonhos para o futuro juntos. O começo. De uma nova vida sem meu pai, sem o marido da minha mãe, sem o provedor da nossa casa. O começo de uma nova fase do jogo da vida. Uma fase difícil. Como nos jogos de vídeo game, na fase anterior perdemos uma vida e agora tínhamos que prosseguir com as vidas que tínhamos. Só que com uma diferença, não ganharíamos essa vida de volta caso alcançássemos sucesso nessa nova fase. Tínhamos que absorver rápido essa perda e aprender a jogar com ela.

Lembro-me de ter faltado nas aulas nos dias seguintes a morte do meu pai. Lembro também de ser recebida com muito carinho quando voltei e um buquê de flores da turma e da Tia Isabel, minha professora da 3ª série, que eu cursava naquele ano. Não lembro mais de muitas outras coisas, sinceramente. Na verdade, pra mim mesmo poucas coisas mudaram de imediato na minha vida. Meu irmãos e minha mãe fizeram sempre de tudo para que eu sentisse minimamente o impacto da perda. É claro que quanto a saudades nada podia se fazer, mas eu sentiria mesmo mais tarde.

Minha mãe teve que aprender a lidar com situações do dia a dia que ela não estava habituada, pois sempre foi muito dependente do meu pai. Até coisas simples como fazer supermercado pra ela era complicado no começo. Ela não trabalhava, não tinha conta em banco, não lidava com o dinheiro. Lembro-me como ela trabalhou. Trabalhava de doméstica pra ajudar no orçamento, porque a pensão que ela recebia era muito pouco.
Eu sempre estudei em colégio particular, cujos alunos em sua maioria eram abastados, ninguém, ou quase ninguém, passava por esse tipo de situação. Confesso que tinha vergonha da minha mãe trabalhar em casa de família, hoje me envergonho de mim mesma por ter sentido isso. Na verdade sofri muito com a diferença social em que sempre estive inserida. Minhas amigas tinham tudo, os cadernos mais bonitos, as mochilas mais lindas, várias canetas diferentes e coloridas, vários uniformes. E eu nunca podia ter nada daquilo. Os pais sempre iam buscar de carro na escola e minha mãe me buscava de ônibus. Eu tinha vergonha de levar qualquer amigo na minha casa, pois era tudo muito simples, inclusive a comida. Acabei me tornando uma pessoa introvertida, muito mais do que gostaria. Sempre me senti menos que os outros por ter menos dinheiro. Sempre me escondi mais do que gostaria, com medo que todos notassem que eu não estava no mesmo patamar que a maioria.

Meu irmão do meio saiu de casa para fazer teatro em SP, para desespero da minha mãe. Meu irmão mais velho assumiu a casa ainda tão novo, assumiu o lugar do meu pai também na empresa. Totalmente sem opção para fazer escolhas, o que seria tão normal na idade dele. E de uma forma muito especial assumiu o lugar do meu pai também na minha vida. Mas 4 anos após a morte do meu pai, em 1995, ele se casou. Deixou a nossa casa para construir a sua própria vida. Ficamos eu, minha mãe e minha avó. 3 gerações da nossa família, 3 gerações de mulheres tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas, cada uma enfrentando os problemas que a vida havia colocado diante de nós. Ainda em 95 me tornei tia, nascia meu primeiro sobrinho, o primeiro neto, o primeiro filho. Enfim, uma alegria para nossa família!

Logo depois disso, em 1996, minha avó adoeceu. Se pensávamos que já tínhamos passado momentos difíceis, é porque ainda não sabíamos o que estava por vir. Na verdade, nem sei direito tudo que deu na minha avó, só sei que ela ficou cega, sem andar e, aos poucos, perdeu toda a lucidez. Minha mãe parou de trabalhar pra poder cuidar dela, assim menos dinheiro entrava em casa. Não passamos fome, porque graças a Deus sempre tinha pessoas que nos ajudavam de alguma forma. Mas me lembro de, mais de uma vez, chegar em casa da escola e ter apenas arroz e ovo no almoço. E minha mãe, com o semblante mais sofrido que eu já tinha visto, inconformada com aquela situação, mais por mim do que por ela. Eu ficava revoltada sim, mas por dentro. Fazia o maior esforço possível para não expressar essa revolta para minha mãe, porque sabia o quanto ela já estava sofrendo com tudo aquilo e não queria ser mais um motivo. Passamos noites em claro com minha avó gritando em delírios no outro quarto, ou então, carregando-a, nós duas, para o banheiro para dar banho e limpá-la, pois fazia todas as necessidades na cama e não tínhamos condições de comprar fraldas geriátricas. Vivemos exatos 10 meses assim, até minha vó partir. Sofri com a morte do meu pai, mas acho que sofri muito mais nesses 10 meses da minha vida. Sofri pela minha mãe, sofri pela minha vó, sofri por mim mesma. Estava entrando na adolescência e enquanto a preocupação das minhas amigas era estudar, passear, fazer inglês, Kumon, praticar esportes e paquerar, a minha era voltar pra casa e ajudar a cuidar da minha vó e me contentar com o pouco que tínhamos para comer. Isso tudo sem reclamar muito, pois não queria esfolar ainda mais o coração da minha mãe. Graças a Deus permaneci estudando no mesmo colégio, por muito esforço e humilhação da minha mãe, os diretores me deram bolsa integral e pude continuar tendo um ensino de qualidade.

Nesse período também, em meio a tanto sofrimento e questionamentos, conheci o amor. Apaixonei-me perdidamente por um colega de escola, da minha classe. Vivi a experiência mais gostosa da minha vida até então, uma experiência que era só minha, que trouxe alegria e sonho pra minha vida. Encontrei mais um motivo para sorrir e sonhar! Ninguém podia entender a dimensão desse sentimento, talvez por estar sofrendo tanto pelas circunstâncias que a vida havia imposto a mim e à minha família, depositei nesse amor toda a minha expectativa, todos os meus sonhos de garota que ainda não tinha realizado e nem havia perspectivas de realizá-los. E também foi nesse período que conheci a frustração. Não fui correspondida a altura e me senti completamente decepcionada, desiludida e minha alto-estima, que já era baixa, caiu ainda mais.

Mas foi nesse período também que conheci uma pessoa muito especial e, essa sim, trouxe uma nova perspectiva pra mim. Jesus. Ainda morávamos na chácara do curtume e minha mãe sempre fazia vigílias e cultos lá. Num desses participei no momento do louvor e uma música em especial falou comigo e me fez chorar profundamente. “Quero que valorize” é o seu nome. Ah, como essa letra mexeu comigo, com os sentimentos mais ocultos, com as dores que ninguém via ou sabia que existiam em mim, mas elas estavam lá dentro, onde ninguém podia chegar. Mas Jesus estava vendo. Ele me via! Ah, como era bom saber que alguém sabia exatamente o que eu sentia e, melhor que isso, entendia todas as minhas dores, as minhas angústias, as minhas decepções, meu medos, minhas mágoas. E melhor ainda, ele podia curar cada uma das minhas feridas! Isso parecia maravilhoso, e era.
(Escrito em 21/11/2008)

Um comentário:

Unknown disse...

Nossa! Ainda me recupero dessa leitura! Não consigo parar de chorar! Chorar de vergonha, de arrependimento, de sei lá mais o que, mas enfim, um sentimento de impotência!

Sabe o que é vc imaginar de como as coisas foram, mas quando realmente vc as decobre, vc se dá conta de não foi nem 1% do que imaginava. Quanto vc sofreu, quanto vc precisou de alguém, quanto vc precisou de mim. Mas tb não me culpo, pois afinal naquela época eu não sabia nem mesmo cuidar de mim mesmo, quanto mais poder ajudá-la. Hoje me encontro mais maduro, mais perto de Deus, e ciente das coisas e de como elas são. Mas mesmo assim, me perdoe se , de alguma forma, lhe deixei "faltar" alguma coisa, como carinho, atenção...

Quando digo que senti vergonha, é quando se refere ao seu sentimento em relação à nossa condição social, diante de nossos colegas de escola e perante os nossos pais. Tenho vergonha de mim mesmo quando me lembro disso. Eu ainda vivi muito mais anos convivendo com esse sentimento, por ser mais velho. Aliás , momentos mais difíceis do que vc encontrara até a morte do pai. Não me lembro de termos passado fome, pois comida foi uma das coisas que o pai sempre presou, mas roupas, calçados e dinheiro para fazermos as coisas, isso era muito escasso mesmo. Sem contar a terrível situação conjugal de nossos pais. Mas tínhamos um puta pai! Um cara que eu admiro até hj e não admito ver nossa mãe falando mau dele. Ele errou, e errou muito, mas não errou sozinho. Trago comigo até hj tudo que de bom ele tentou me passar, e se sou esse homem hj , devo isso à ele. Que vontade que eu tinha de poder voltar no tempo e abraçá-lo mais, beijá-lo mais, de dizer o quanto o amo. Hoje como pai que sou, imagino o quanto ele sofreu sabendo de nossas "vergonhas" diante de nossas condições. Se achamos que foi nós que sofremos, pode ter certeza que eles, como pais, sofreram muito mais! Com a mãe, estamos tendo tempo de repararmos esses erros, mas com ele , isso não foi possível. Queira ele, esteja onde estiver, me perdoar de tudo isso que, infelizmente , fez parte da minha estória!

Tenho um pouco de dificuldade de me relacionar com a mãe, e não é por sentimento mesquinho algum. Apenas conflito de gênios. Sinto muita dificuldade de compreender a mãe, seus sentimentos, suas neuras. Confesso que gosto muito dela e me preocupo muito com ela. Vc não faz idéia do malabarismo que faço até hj para manter essa relação, dela e da Andréa. A Andréa é uma pessoa difícil, e eu não tiro as razões dela. Mas para mim é muito importante mantê-las bem! Assim como eu tb mudei muito em relação à D. Neide, para tb nos mantermos bem. Acontece que a D. Beth não é fácil. Naquele encontro do ECC, em uma de minhas conversas com Andréa, confessei o medo que eu tenho de perder a mãe e me sentir de que pudesse ter feito mais. Aliás foi ali , numa dessas conversas, que decidimos levá-la para o sul. Eu precisava oferecer à ela esse momento, de desfrutar alguns dias de férias com seus netos, e porque não dizer tb comigo. Mas sempre me sinto em dívida com a mãe, talvez porque tenho minha família e isso já me ocupa bastante, e ela ser uma pessoa sozinha, cada vez mais refém de sua amizades ligas à igreja. Mas, em Gramado, ao seu ouvido, a perguntei sobre o seu sonho sendo realizado de conhecer a serra gaúcha. E ela me respondeu me agradecendo e , para mim, era tudo o que eu queria ouvir e sentir, o meu sentimento de dever cumprido e sua inteira satisfação. Ela não sabe, acho que às vezes até se questiona, mas eu a amo muito!

Minha maninha, vc não faz idéia da sua importância na minha vida! Há 26 anos atrás, ainda menino, vibrei ao saber que teria uma irmã. Talvez ali, Deus já estava me dizendo o tamanho da sua participação em minha vida. Estamos afastados, até pelos caminhos diferentes que traçamos, mas eu a tenho sempre em meus pensamentos. Sempre tentei, quando vc ainda era criança, lhe oferecer tudo que eu achava possível, mas se lhe faltei de alguma forma, me perdõe! E não digo isso me sentindo culpado não, mas sim por me sentir mesquinho, egoísta em muitas de minhas atitudes, inclusive naquela época. Mas Deus fez tudo do seu jeito e hj somos seres humanos especiais, pois aprendemos com isso e, nos tornamos mais maduros, mais humanos! Tenho muito orgulho de vc, mais do que possa imaginar! Sabemos dos problemas e respostas que vc busca em sua vida e, eu espero que vc possa encontrá-las, pois tudo o que eu mais quero é vê-la feliz! Talvez o que mais me conforte é saber que vc e o Cara lá de cima, possuem uma amizade muito estreita, o que me faz acreditar que terá muita força para esperar por esse dia. Saibas apenas que, se vc sofre com tudo isso, nós tb sofremos. Portanto achar seu caminho será para mim tb um grande conforto!

Um grande beijo no seu coração de seu mano que TE AMA!!! Fica com Deus e que Ele continue sendo seu melhor amigo!!

Alex